quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O mercado da saúde e as emergências

A superlotação nos serviços de emergência hospitalar é um fenômeno mundial. Caracteriza-se pelo seguinte: todos os leitos ocupados; pacientes acamados nos corredores; tempo de espera para atendimento acima de uma hora; alta tensão na equipe assistencial que precisa escolher rapidamente entre o mais grave e o menos grave, e grande pressão para novos atendimentos. Este quadro adverte, claramente, sobre o baixo desempenho do sistema de saúde como um todo, e dos serviços de emergência em particular. A superlotação é um indicador de baixa qualidade assistencial. O fenômeno da superlotação atinge tanto os hospitais particulares quanto os que atendem aos beneficiários do SUS. Nos serviços privados, o leigo tende a interpretá-lo como indicativo de qualificação, enquanto nos serviços públicos como indício de deficiência. O problema tem a mesma raiz: baixo desempenho organizacional. Os que amam a ideia de que as dificuldades da assistência à saúde se resolverão pelo livre mercado, ficam paralisados diante de clientes/pacientes com esperas martirizantes em hospitais particulares. Eis uma falha de mercado.

É previsível uma maior demanda de atendimento em determinadas épocas do ano, em determinados dias da semana. Do ponto de vista gerencial a questão é: Que medidas devem ser acionadas para, num primeiro momento, amenizar o sofrimento pela espera da assistência médica e, num segundo momento, corrigir completamente o problema? Na realidade brasileira tem-se uma complexa equação onde o planejamento centralizado de saúde se associa com a lógica de mercado. Quando pende para um lado ou outro, tem-se uma situação perversa onde a demanda que excede a oferta é racionalizada, de maneira grotesca, pela longa e torturante espera em salas abarrotadas de pessoas em sofrimento. A solução do problema da superlotação nos serviços de saúde passa pelo redimensionamento dos serviços de emergência, e consequentemente, dos leitos disponíveis tanto no setor privado quanto no setor público. É enorme o preconceito com os serviços que prestam assistência aos beneficiários do SUS, em benefício dos serviços particulares. No entanto ambos atuam da mesma forma no atendimento aos pacientes que urgentemente necessitam de cuidados. As evidências apontam que tanto o subsistema privado quanto o público se encontram contidos em sua capacidade de responder adequadamente à demanda da população. A solução passa, inexoravelmente, por acordos públicos e privados. Setores públicos e privados, unam-se em prol do alívio do sofrimento torturante nas emergências. 

Antonio Quinto Neto
Médico e dirigente hospitalar

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Ecocidadania e neoindividualismo

Segundo o advogado Christiano Ribeiro, integrante da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RS, um dos grandes desafios para o exercício da ecocidadania é a superação do neoindividualismo que assola nossa coletividade emergente. Mesmo que se utilize um discurso social para legitimar projetos desenvolvimentistas nocivos ao meio ambiente, por detrás disso há uma ideologia neoliberal radical de mercado, que reduz a vida a uma mera análise de custos e benefícios, gerando um individualismo sistemático baseado no cálculo das vantagens individuais obtidas dentro de um grupo social, encaminhando os seres humanos ao consumismo, tornado a base antropológica e social da nossa época. Citando Maria José Fariñas Dulces, professora de Filosofia do Direito da Universidade Carlos III de Madri, na Espanha, Ribeiro afirma que esse neoindividualismo possessivo progride e se transforma numa espécie de individualismo de desapossamento, resultando na falta de trabalho, na incultura, na insegurança e na ausência de proteção institucional. O mesmo mecanismo de privação ou desapossamento pode ser aplicado ao equilíbrio ecológico e à qualidade de vida, vulnerados pela dupla consumismo-desenvolvimentismo, que explora nossa incapacidade de valorar bens e interesses difusos, alvará de impunidade para o saquear das futuras gerações.

Esse neoindividualismo está se convertendo numa nova forma de “ética” universal, difundida especialmente pelos monopólios midiáticos, concretizando o que já havia sido anunciado por Thomas Hobbes: o critério da lei do mais forte, que abandona os seres humanos à gestão insegura dos riscos ambientais. E por destruir a dimensão coletiva, solidária e democrática das relações sociais, ele rompe os vínculos de integração e instala os seres humanos numa cultura de consumo e satisfação imediatos, da mesma forma que torna sagrada a competitividade fundamentalista como a base antropológica das relações entre indivíduos e produz uma negação ao diálogo, uma espécie de autismo social de consequências imprevisíveis. Nesse âmbito, fica quase impossível o efetivo exercício da ecocidadania, retirando paulatinamente a legitimidade para a utilização dos instrumentos judiciais disponíveis ao terceiro setor, se este não representar uma verdadeira oposição ao neoindividualismo, desde as suas práticas internas. Para Ribeiro, é em razão disso que as agremiações do terceiro setor ambiental, ao invés de fomentar a cizânia que milita em favor do neoindividualismo antropológico, devem buscar a integração e a educação da sociedade, para que a união ganhe a queda de braço contra o invisible hand que separa para conquistar. 
 
Christian Lavich Goldschmidt 
Jornalista e escritor


http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=47837&codp=1451&codni=3 – sítio acessado em 30/11/2010 às 19:05h.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Vestibular para crianças

O que eu estava fazendo no dia 13 de dezembro de 1968, quando foi decretado o AI-5, que marcou o endurecimento da ditadura? Queria ser professor. Estava fazendo vestibular para a Faculdade de Filosofia. Embora hoje eu seja um empresário, nunca deixei de acompanhar as desditas de uma classe a que, um dia, cheguei a considerar seriamente a proposta de pertencer. A propósito, minha esposa insiste que essa seria a minha verdadeira vocação. Acredito no poder transformador da educação. Na necessidade da escola pública de boa qualidade, gratuita e universal, mas me revolta profundamente o desrespeito com que são tratados os professores no momento. A escola tem de ser aberta, tem de acolher a todos, em especial aos mais carentes, mas isso não quer dizer que aos mestres não cabe impor condições para receber os alunos em sala de aula. Tudo na vida tem limites. 

Minha proposta é bem simples. Antes de ingressar no primeiro grau, todas as crianças deveriam ser submetidas ao vestibular das “palavrinhas mágicas”. Quem souber usar as palavrinhas entra. Quem não souber, papai e mamãe levam de volta para casa e só a trazem novamente quando elas tiverem apreendido. Ficam para o semestre seguinte para uma nova tentativa. Quais são essas palavrinhas mágicas? “Por favor; muito obrigado; com licença; desculpe.” Coisas do gênero. As crianças precisam demonstrar que os pais ou responsáveis a estão educando. Ela precisa mostrar respeito às pessoas que as vão ensinar, elas precisam demonstrar que sabem conviver em sociedade. Estamos, pouco a pouco, dando valor novamente à palavra não. Já é consenso de que não é possível permitir tudo aos filhos. Da mesma forma, nossa ânsia de termos um país sem analfabetismo deixa-nos com a ideia de que temos de ter uma aceitação incondicional da criança. Alguns dirão que, ao fim e ao cabo, só os pequenos terão prejuízo. Negativo. Nossa legislação já permite processar os pais por abandono intelectual (grifo do blogueiro). E, ao final, se for necessário abrir uma exceção: o aluno não poderia passar ao segundo ano sem ser alfabetizado e sem saber as mágicas palavras, do bom convívio social. Que se manifestem os contrários, para que tenhamos o bom debate. 

Luiz Fernando Oderich
Da ONG Brasil Sem Grades


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