quinta-feira, 19 de março de 2009

A herança de Darwin: tudo ainda é verdadeiro


Nobel de Medicina fala sobre a herança de Darwin

A herança de Darwin: Tudo ainda é verdadeiro

Em suas palestras em Porto Alegre, a bióloga alemã Christiane Nüsslein-Volhard vai justificar a atualidade de Darwin. Em entrevista ao jornal Zeit, ela falou sobre a influência do meio ambiente na evolução das espécies, sobre o índice de natalidade entre ricos e pobres, criticou os excessos da bioinformática e destacou a importância da dedicação da mulher à família para a sobrevivência da espécie humana.

A biologia é determinista?
Christiane - Ao nível dos genes, de fato é assim. Existem códigos, regras e processos estabelecidos, embora ainda não tenhamos entendido todos os mecanismos. Mas isso não significa que a genética seja determinista. Não significa que os nossos genes representem um destino que não possamos modificar. Sabemos da enorme influência que o meio ambiente exerce sobre os organismos, especialmente sobre os seres humanos. Os genes são mais fortes do que algumas pessoas queriam que fossem, mas a cultura exerce também uma influência importante e extraordinária sobre nós.

Essa discussão já dura décadas. Atualmente se fala de um percentual de 50% de influência da cultura e de 50% dos genes.
Christiane - Mas esse percentual também significa com frequência que não se pode dizer precisamente se uma propriedade é inata ou adquirida mediante a cultura. Quando fiz minha graduação, havia aqueles que afirmavam ser teoricamente possível fazer de qualquer pessoa um Mozart; para isso, bastava apenas a educação correta. Evidentemente que isso é uma grande insensatez, como hoje sabemos.

Existe uma evolução do comportamento?
Christiane - Evidentemente. Um exemplo: hoje se afirma levianamente que a divisão de papéis entre homens e mulheres poderia ser outra, sem problemas, se as mulheres também exercessem uma profissão. Se as mulheres tivessem feito isso nos primórdios da evolução humana, provavelmente a raça humana teria se extinguido. Na evolução do homem, aparentemente foram selecionadas características específicas, que exerceram um papel importante para a sobrevivência. Se os pais não tivessem se ocupado de seus filhos, estes teriam tido chances menores de sobrevivência. Foi assim que se desenvolveu o cuidado dos pais.

Para escrever seu livro sobre a origem das espécies, Darwin viajou durante cinco anos. E ele focava com precisão. Desde então, a Biologia se transformou. Tornou-se analítica. Disseca, observa no microscópio, decompõe a vida em moléculas.
Christiane - Está se tornando cada vez menor o número de pessoas que observam com precisão. Espero que não estejam em extinção. Bioinformática e biologia computadorizada assumem cada vez mais espaço. E certos informáticos da Biologia pensam que podem calcular tudo - e não conseguem distinguir um gato de um cão. Muitos biólogos modernos acreditam muito nos dados do DNA e ainda vão querer provar que homens e mulheres são idênticos, porque o DNA é praticamente igual.

Os apontamentos de Darwin são, hoje, apenas documentos que pertencem ao passado?
Christiane - Seguramente não. Estou convencida de que, se Darwin não tivesse anotado o que observou na natureza, teríamos perdido definitivamente importantes informações. Hoje em dia ninguém conseguiria escrever tais coisas. Essa riqueza de observações! Ele deve ter olhado, escutado e cheirado durante todo o tempo - com olhos, ouvidos e nariz muito atentos.

As ideias de Darwin foram instrumentalizadas ideologicamente. A sua expressão "survival of the fittest" (sobrevivência do mais adaptado) foi traduzida como sobrevivência do mais forte, a sua luta pela sobrevivência foi utilizada ideologicamente como base de ideologias raciais.
Christiane - Ele mesmo não viu isso com prazer. Mas encontramos a expressão "struggle for existence" na obra dele. E evidentemente também há essa luta e seleção. E naturalmente os mais bem adaptados têm mais descendentes. Recentemente fui perguntada sobre o que teria sobrado das ideias de Darwin, como se não tivesse restado nada. Mas tudo ainda é verdadeiro!

Por que o mau uso que se fez de suas ideias ainda continua surtindo efeito até hoje?
Christiane - Porque a maioria das pessoas não conhece mais a natureza, não reflete mais sobre a natureza, apenas sobre o ser humano. E aí surgem os típicos mal-entendidos. Muitos afirmam, admirados, que "são os pobres que têm muitos filhos" e que, se Darwin tivesse razão, os ricos deveriam ter mais filhos. Mas essas pessoas não se dão conta de que esse índice baixo de natalidade entre os ricos é um fenômeno cultural relativamente recente. Nas culturas humanas mais antigas, isso foi com certeza diferente.

Nos Estados Unidos, num passado recente, fortaleceu-se a luta dos criacionistas contra a teoria da evolução. A senhora percebe essa tendência na Alemanha?
Christiane - Não. Eu vejo apenas que muitas pessoas não entenderam corretamente o que a evolução propriamente é, como ela funciona. A crítica a Darwin alimenta-se, sobretudo, dos equívocos do darwinismo social. Talvez devamos novamente chamar a atenção para o fato de que Darwin não fez afirmações sobre a cultura humana. Karl Marx foi, a propósito, um grande admirador de Darwin. Marx enviou a segunda edição de O Capital para Darwin, com uma dedicatória. Mas Darwin não a leu. Podemos afirmar que a natureza funciona de certa maneira de forma capitalista. Mas a natureza de Darwin é, antes de mais nada, cega. Permite que aqueles que conseguirem sobrevivam. Ele mesmo apontou explicitamente para o fato de que a natureza é impiedosa. Ninguém vai cuidar para que a lagarta da borboleta não seja devorada por passarinhos.

Mas sociedades humanas podem superar esse darwinismo impiedoso.
Christiane - Nossa cultura é capaz disso, mas somente em determinados contextos e com base em um autêntico esforço civilizatório. Em situações extremas como, por exemplo, guerras, a natureza aflora novamente sob forma de brutalidade na luta pela própria sobrevivência e de seus descendentes. Isso nasce conosco. Por outro lado, nossa evolução também elevou a nossa capacidade cultural. E, com isso, também se originaram as religiões, que reprimem certas maldades de nossa natureza e objetivam possibilitar a sobrevivência de grupos maiores.

Apesar disso, as visões da criação de seres humanos, de clones, da otimização genética do ser humano voltam sempre à tona.
Christiane - Mas penso que elas não se deixarão viabilizar. Mesmo que se trate de objetivos grandiosos como o bem-estar da humanidade: nenhum cientista iria vivenciar os resultados de suas experiências de criação de seres humanos. Isso leva muito tempo. Não é por nada que o tempo das gerações de nossos animais domésticos seja um terço do tempo da geração de um ser humano. Ninguém ainda criou um elefante. Se alguém fosse querer criar soldados de Saddam Hussein, ele mesmo não iria mais vivenciá-los.


http://jcrs.uol.com.br/noticias.aspx?pCodigoNoticia=12146&pCodigoArea=41 - sítio acessado em 19/03/2009 às 11:34h

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