sexta-feira, 13 de março de 2009

A Igreja e o chimpanzé


A Igreja e o chimpanzé

Jovem. Avança pelo corredor estreito e deserto. Para diante da porta fechada e bate. Quem o atende tem cara de Sigmund Freud e também o discurso dele: "A culpa é a mãe", diz ao paciente, que nem convida a entrar no consultório. Duvido que o autor dessa propaganda para o banco anunciante tenha se dado conta da brincadeira leviana e perigosa que faz com o estigma que a mulher leva na testa desde o Velho Testamento, em que a perda do paraíso é relatada como decorrência do mau comportamento de Eva, o que se alojou no inconsciente da humanidade e, obviamente, também no de Freud. Qualquer um que tenha lido sobre ele mais do que uma orelha de livro sabe que bebeu da fonte bíblica, reafirmando-a em suas teorias.

Uma delas é exatamente a que se refere à mulher, abrindo um caminho também na literatura psicanalítica - a face supostamente científica das religiões monoteístas, embora a maioria de seus seguidores tente distanciar-se delas - para a história que alguém criou, garantindo a existência de um deus e se inventando como porta-voz das determinações que lhe atribui. Contraditória, a Igreja Católica diz que veio em socorro da mulher, instituindo a devoção a uma virgem, o que transforma as demais, aquelas que reproduzem através do contato sexual com humanos, em filhas de Lilith e, portanto, indignas de oficiarem uma missa. Contraditório, o islamismo afirma que a mulher menstruada é alguém em estado de impureza, o que o judaísmo - tronco das duas - também prega. Mas não é esse sangramento que a mulher suporta estoicamente, todos os meses, expressão da vontade divina? E não resulta também dessa vontade o apelo sexual, decorrente da testosterona e, por isso, muito mais forte no homem do que na mulher?

Sim e não. Depende da circunstância e de quem faz o discurso, numa variação que promove reações de absoluta e total incoerência. E crueldade. Como a do arcebispo pernambucano Sobrinho, que excomungou os médicos e a mãe da menina que estava grávida por obra do padrasto estuprador. Como entender a manifestação desse representante do Vaticano? Se aceito que nada acontece sem a permissão divina, aceito que o estuprador também contou com ela. E se aceito que nada acontece sem a permissão divina, aceito que a mãe da menina e os médicos que fizeram o aborto também contaram com ela. Portanto, estamos quites. A Igreja é seu próprio antídoto.

Não é possível tê-la como diretriz, nem mesmo agora, quando o Vaticano se penitencia reconhecendo validade nas teorias sobre a evolução das espécies de Darwin. Corre-se um risco de vê-la mais próxima da (in)justiça que consegue livrar a cara dos infratores, defendendo-os como reféns da própria testosterona. Se é assim, porque matá-los não é permitido, deveriam ser submetidos à castração química, o que evitaria a repetição do crime. Em que medida se faz isso no Brasil? Não se tem informações sobre essa providência, que se presta facilmente ao discurso de quem, defendendo direitos humanos em busca de visibilidade, interpreta-a como interferência na liberdade de ir e vir. Essa gente esquece que, quando o estuprador impõe sua sexualidade a outro ser humano, criança ou adulta, também está roubando a liberdade dele. Além disso, é mais fácil perdoar o criminoso, porque "a culpa é da mãe" dele, segundo Freud.

Num único hospital paulista, as crianças são 43% dos atendimentos de vítimas sexualmente abusadas. E, mesmo louvando a presente humildade da Santa Sé, não acredito que Darwin, se estivesse vivo, colocaria o homem que regride ao estado instintivo de um chimpanzé na mesma balança em que ela coloca as vítimas dele. Agora, o que mais me espanta não é a incoerência bíblica da caminhada humana. Até entendo que há nela boas intenções guardadas em metáforas. O que me deixa atônita é a inércia dos crentes diante dela, porque simplesmente abdicam do direito de questionar e se posicionam na manada. Como ponto de partida, por que não pensam sobre a ordem divina "crescei e multiplicai-vos"? Se o Vaticano realmente acredita nisso, o celibato dos padres é um pecado. E mais uma contradição.

Maria Wagner é Editora de Cultura do JC

http://jcrs.uol.com.br/colunistas.aspx?pCodigoColunista=227 - sítio acessado em 13/03/2009 às 11:13h.

Um comentário:

  1. A igreja, como instituição, é falha porque é feita e dirigida por humanos. E é a vontade desses humanos, e não a de Deus, que saem das bocas de seus representantes.

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