quarta-feira, 15 de julho de 2009

Deus não existe

Primeiro, cabe explicitar o motivo desta redação. Acredito que as reflexões que se motivam em experiências subjetivas têm relevância, desde que extrapolem a mera opinião e embrenhem-se nos campos da argumentação racional. Este exercício pretende-se um exemplo disto.

O que nos diz a religião cristã? Aqueles que mantiverem uma conduta correta durante a vida serão agraciados por Deus. Como explicar, então, que coisas ruins aconteçam às pessoas boas? Reescrevendo a pergunta: porque as pessoas que seguem os preceitos divinos são tão facilmente prejudicadas? Porque estão tão expostas as malícias de outrem? Porque não são amparadas pelo seu Deus? A resposta imediata: a recompensa para estes não está nesta vida, está além desta. Então pergunto: porque postergar para uma próxima vida a recompensa? Que garantia nós temos da existência desta outra vida? Esta reflexão iniciou-se com uma pergunta subjetiva, cuja resposta é difícil de ser encontrada. É da tentativa de encontrar uma resposta que surgiu este texto.

Muitas vezes ouvi que a devoção a Deus seria a garantia para uma vida digna – entrega-te na mão de Deus e confia! Que as dificuldades que se apresentam seriam oriundas do fato de não professarmos a sua fé. Ouvi, também, que este mesmo Deus é o pai-de-todos, que todos somos irmãos por sermos filhos do mesmo pai. Estranho. Parece-me um tanto seletivo este pai-de-todos e um tanto contraditório. A verdade é que ele só protege (na hipótese de existir) aqueles que o adoram e, portanto, não é pai-de-todos, como se quer fazer acreditar. Um deus que dá suas graças apenas aos que o veneram não me parece muito diferente dos deuses pagãos que tanto os seus devotos combatem em seu nome. Oração, ao invés de sacrifício, apenas. Um deus compreensivo, de compaixão, que sabe o que é melhor para nós. Sabe? Como pode algo ou alguém que se quer temos prova da existência saber o que é melhor para nós, ignorando a nossa opinião? Não me parece muito compreensivo um deus que impõe a sua vontade à dos seus devotos. Não me parece compreensivo um deus que decide o destino da minha vida contra a minha vontade. Parece-me mais um tirano. Ninguém melhor do que eu para saber o que é melhor para mim, o que me satisfaz verdadeiramente, o que confere sentido a minha vida. É inconcebível entregar meu destino a algo ou alguém que não tenho provas da existência. O meu destino será a conseqüência das minhas escolhas. Ou, então, apenas sentarei e esperarei que o destino que me foi traçado aconteça.

Falei em prova de existência. Ponto crucial. Que provas nós temos da existência de Deus? Nenhuma, na verdade. Nenhum de nossos instrumentos investigativos - nosso sistema sensorial e nossa razão - comprovam, concretamente, a existência de Deus. Nenhum desses instrumentos nos fornece uma prova irrefutável da existência divina. Qualquer consideração que não se baseie em argumentos amparados por estes instrumentos é mera especulação. A única “prova” que temos nos é dada por uma crença cega, chamada fé. Acredite e ponto final, ou sofra as consequências. Argumento muito fraco, apelativo e conveniente, para um deus tão poderoso.

Agora trabalhemos com a hipótese de que ele exista. Ainda assim digo que não existe. Se existe um ser sobrenatural que governa as nossas vidas este é a antítese de Deus, cuja denominação cristã é Diabo (apenas uma de tantas). Neste caso, Deus é apenas uma imagem criada pelo Diabo, com o intuito de ludibriar a nossa percepção da realidade. Uma vez que acreditamos em um deus que nos garante, nos conformamos e aceitamos o providencialismo. Manipular a nossa percepção da realidade, para nos inibir a iniciativa e, assim, agir sem oposição. Eis a intenção do Diabo. E faz isso se valendo da imagem de Deus. É fácil sustentar este argumento quando nos damos conta que a regra em nossa vida é a dificuldade, e a facilidade (ou, no mínimo, a não-dificuldade) é a exceção. Quando nos damos conta que a regra é a insatisfação, e não a satisfação. Nada tão verdadeiro como a expressão: “vencer na vida”. O mal, representado pela violência, é recorrente na história humana. É um estado natural de nossa existência. É a luta contra este mal, a instauração de uma ordem não violenta (o bem), o caráter artificial desta existência, portanto.

A religião é uma instituição criada pelo homem (e, conseqüentemente, todos os seus personagens sobrenaturais) com uma função social: conformar e ordenar a natureza humana. Inclusive a religião cristã. O céu é uma projeção da terra, e não o contrário. Quando a religião cristã nos ensina a oferecer a outra face, está nos tirando a liberdade de ação, nos impondo um medo irracional a uma punição oriunda de um deus que não tolera atitudes retaliativas. Ao nos negar o direito de retaliação contra algo que nos prejudica não está nos doutrinando no caminho do bem: está nos subtraindo o direito de defesa, a iniciativa a esta. Ao creditar todas as realizações desta vida a uma outra, está desviando o nosso foco do agora, nos transformando em autômatos conformados, nos tirando a combatividade. Portanto, quando afirmo que Deus não existe, me refiro ao Deus cristão que me apresentaram nas catequeses dos sábados pela manhã. Neste Deus eu não acredito. Não questiono o papel ordenador da religião e até corroboro com este. Questiono a doutrina sobrenatural da religião cristã e sua faceta conformista.

Existe um ser superior, mesmo que não seja este Deus? Não sei. E não vejo razão para tentar descobrir. E, antes que me atirem à fogueira, antes que me apontem o dedo e me acusem de heresia, digo que não deixei de acreditar: acredito em mim e no que posso fazer nesta vida. Não ministre seu tratamento com sentenças como estas: “foi assim porque Deus quis”, “Deus sabe o que faz”, “Deus está guardando algo melhor para o futuro”; são remédios enganosos e mortais. Esta é a minha resposta à indagação que me instigou a reflexão: acredite, antes de tudo, em si e no que pode fazer. E não entregue o seu futuro a um ser abstrato: este futuro apenas será o resultado das escolhas que tu fizeres.
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4 comentários:

  1. Caro Rodrigo,

    Não sei se já esperavas ou se não contava com isso no entanto, como judeu e estudioso das religiões não posso me furtar de um comentário sobre o artigo "D'us não existe".Primeiro gostaria de parabenizar pelo Blog e pelos textos que escreves.Afinal de contas,desde a declaração dos direitos humanos na Revolução Francesa em 1789 a livre expressão de idéias é permitida pela lei,ordem e o Estado em que estão baseadas nossas vidas,a sociedade e o seu núcleo mais básico a família.Agora,me retenho ao seu texto restritamente.Primeiro aspecto que gostaria de puxar é a analise restrita do seu argumento.D'us é algo universal e como todas as religiões monoteístas colocam:Onipresente,Onisciente e Onipotente.Sua proposta de discussão fica muita limitada a religião católica que em minha opinião enfrenta uma crise de fé e está em franca decadência como religião.Fiquei surpreso por não haver argumentos sobre os Protestantes já que você é um ou pelo menos essa é informação que eu tenho.Como já disse o humorista George Carlin:"Ele tem 10 mandamentos e se você não obedecer um deles você vai queimar no mármore do inferno ,mas ele te ama!"Como tu colocaste o D'us católico se asssimmila aos deuses pagãos isso porque a Igreja Católica Apostólica Romana nada é mais que um sincronismo entre o paganismo e o cristianismo primitivo.Como podes lembrar de tuas aulas de religião existe um mandamento que diz:"Não farás imagens do teu D'us"Imagens são típicas do paganismo assim como a data do natal não é a verdadeira data de nascimento de Jesus que nasceu na Primavera não no Iverno do hemisfério norte.Isso vem do D'us pagão da coleita se não me engano que exigia de seus fiéis sacrifício durante o soltíscio de inverno.Com relação a intervenção de D'us para com as pessoas boas quando vítimas de coisas ruins ele está lá pode acreditar.Se aquela pessoa tem fé ele estará lá.Ele nos deu o livre arbitrio para fazermos o que queremos ele nãp pode nos impedir de fazer algo mal pois isso seria uma contraveção.Se você acredita ele estará contigo e te darás forças para fazer o necessário.Duvidando dele nada ele poderá fazer.Quando falo acreditar não falo em ir a igreja todos os domingos mas sim da fé inabalável de que você pode mudar a situação e que voc~e não merece estar nela.Agora sem fé você vai aceitar a situação e permanecerá nela.

    É isso.

    MBS.

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  2. Buenas, Marcos!!!
    Eu sabia que tu seria um dos primeiros, se não o primeiro (como, de fato, foi), a comentar o post. E agradeço os elogios. Pensei duas vezes antes de publicar o texto, com receio de acharem que seria apenas um roupante de um pretensioso graduando em História. Não é verdade. Essa reflexão vem se gestando há muito tempo e achei oportuno postá-la agora. Se trata de um desabafo e de um recado.
    Eu me referi, no texto, à religião cristã, à todas aquelas que tem como centro a crença em Deus e em Jesus Cristo, simplesmente por ser o contexto em que estou inserido. Essa foi a minha intenção, se não me fiz claro o suficiente. Como eu disse, o texto tem um caráter subjetivo e, por isso, a minha não foi fazer uma explanação histórica. Claro que me vali do que já aprendemos mas, pensando nos potenciais leitores, procurei ser direto e objetivo, deixando possíveis discussões para um momento posterior, como este. Vali-me do que já aprendemos para argumentar com algum embasamento racional e para convencer-me de que não estava escrevendo apenas por escrever, mas o texto não tem a intenção de ser um trabalho científico.
    "Se você acredita ele estará contigo...", tu diz. Ponto central. Não consigo mais aceitar que, quando algo dá certo, é por vontade Dele. E que, quando algo dá errado, a culpa é minha porque não cri o suficiente, Para mim é uma lógica muito (in)cômoda e (in)conveniente. O que é mais válido: não comungar da crença em Deus mas manter uma conduta correta durante a vida, ou acreditar Nele mas agir de maneira maliciosa?
    A minha intenção não é impor opinião, mas não me omitirei. Sei que não é uma reflexão original mas, acredite, ela iniciou-se antes dos meus contatos com Marx e Durkheime. Estes apenas me encorajaram, se posso dizer isso.
    Mais uma vez agradeço o teu comentário, que é muitíssimo relevante.

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  3. Eu ainda acredito no Patrão Velho!

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  4. Se és vitorioso o mérito é teu e se és derrotado a responsabilidade é tua.Como disse anteriormente D'us deu livre arbítrio então D'us não pode ser responsável pelo teu sucesso ele apenas pode te apoiar e esse apoio é somente espiritual não material.Esse é o erro que a maioria comete ao se dirigir ou falar de D'us.O reino material nada interessa a ele a não ser que possa adentrar no mundo espiritual.Para não ficares a revelia das palavras vou explicar o mundo espiritual.Esse mundo espiritual de que estou falando é parte de religiões como o Judaísmo(Olam Habá) Budismo e Espiritísmo.Se crê que esse é o primeiro mundo e que a Terra tanto poderia não ter existido como poderia ter existido como é caso.É desse mundo que vem as almas em nome de maior depuração encarnam em corpos materiais.E quanto a fé,não importa se é em D'us ou em qualquer outra coisa sem ela ,sem acreditar antes de ver jamais teríamos criado nada.Pois a princípio tudo que existe uma vez não existia então alguém acreditou em fazer esse objeto que concerteza ninguém achava possível e ele foi feito.Pense nisto.....

    P.s.: Uma dúvida:Será que sendo D'us um ser sem criador,Onisciente,Onipotente e Onipresente nós não poderíamos estar sendo arrogantes em tentar compreender essa grandeza?É algo sem paralelo e que dúvido eu alguém tenha a imaginação de criar muito menos naqueles remotos tempos....

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